
Uma bioconversa com Henrique Gonçalves Vieira.
Henrique Gonçalves Vieira, utente do Lar Casa de Magalhães, nasceu em Vila de Punhe, concelho de Viana do Castelo, em 1937. Começou a trabalhar desde cedo e, inspirado pelo pai, descobriu as paixões pela eletrónica e pela rádio. Um dia, emigrado em França, com uma galena, uma bobine e pouco mais, construiu um rádio dentro de uma casca de noz. De regresso a Portugal conseguiu as licenças necessárias para a prática de radioamadorismo e, através das ondas, fez amigos pelo mundo inteiro. Henrique Gonçalves Vieira nasceu a 11 de setembro de 1937, em Vila de Punhe, concelho de Viana do Castelo, no seio de uma família humilde e trabalhadora. O seu pai “era um artista que fazia tudo o que era maquinaria agrícola, muitas vezes de noite com um candeeiro a petróleo”. A sua mãe “trabalhava na lavoura”, tinha a cargo as tarefas domésticas e os cuidados aos quatro filhos. Henrique frequentou a escola primária até à quarta classe, mas depois, atraído pelo trabalho e pela curiosidade, começou a ajudar o seu pai nos trabalhos do campo e na oficina. O pai foi a grande referência para Henrique. “Aprendi muito com ele. Foi por ele, foi por causa do seu trabalho e da sua habilidade que despertei um gosto especial pela eletricidade e pela mecânica”, afirma. Desde cedo, o jovem Henrique mostrava-se uma pessoa desembaraçada, curiosa e inteligente. “Eu aprendia com facilidade e gostava de experimentar coisas novas”, revive. “Por volta dos vinte anos”, Henrique decidiu deixar Vila de Punhe e, em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida, rumou a Lisboa. Quando lá chegou, conseguiu “um trabalho como serralheiro na Siderurgia Nacional, que ficava na zona do Ribatejo”. Trabalhar como serralheiro era algo que lhe agradava, pois permitia-lhe aplicar os conhecimentos que herdara do pai e, ao mesmo tempo, aprender outros e estimular a sua criatividade. “Gostei muito de lá ter trabalhado”, afirma. Depois de “quase três anos” de experiências acumuladas na Siderurgia Nacional, Henrique decidiu candidatar-se “para trabalhar na empresa CP – Comboios de Portugal”. “Naquela altura, para entrar na CP era preciso fazer um exame” prévio. Quando a oportunidade surgiu, Henrique, aproveitou-a e realizou o exame com sucesso. Foi depois colocado no Porto, “na oficina de Campanhã, como serralheiro”. “Até estava satisfeito com o trabalho na Siderurgia, mas ganhava pouco. Quando entrei na CP, fui morar para a Foz do Douro, ganhava pouco na mesma, mas sempre era mais perto da terra”, justifica Henrique. No Porto, para um serralheiro desenrascado e com experiência, as oportunidades de emprego mais bem remunerado abundavam. Aproveitando esse contexto, passado pouco tempo, Henrique deixou a Comboios de Portugal. “Fui trabalhar para uma empresa que se chamava SONORTE, na rua Justino Teixeira nº 509 A, mesmo ao lado da CP”, recorda. Passados dois anos “a SONORTE mudou as instalações para outro sítio”, mais afastado do seu local de residência, e Henrique muda-se para a “Oliveira e Ferreirinhas”, uma siderurgia em Matosinhos. Aos vinte e cinco anos Henrique decide emigrar para França. Seguia, já de coração reservado, o exemplo de tantos outros portugueses que lá procuravam melhores condições “de levar a vida”. Logo após a chegada conseguiu um “trabalho na fábrica da Citroen, em Paris 15, como soldador”. “Essa fábrica fazia os famosos carros Boca de Sapo, que eram carros muito populares na época”, relembra. O contrato era de seis meses, mas Henrique esteve lá dez. “Ganhava bem e até gostava do que fazia, mas queria aprender mais”, acrescenta. Assim, quando uma nova oportunidade lhe surgiu, Henrique aproveitou-a sem hesitar. “Fui trabalhar com o meu irmão na construção civil, numa empresa que se chamava Valentin SA e foi aí que aprendi a arte de eletricista”, recorda. Permaneceu nessa empresa durante dezassete anos, “a executar trabalhos num empreendimento com trezentos e dez apartamentos”. “Como aprendia num instante”, além de eletricista, Henrique também fazia outras coisas como montar gruas e os trabalhos de serralharia. A sua proficiência e versatilidade tornaram-no “bem visto pelos seus colegas e estimado na empresa”. Infelizmente, o seu “patrão adoeceu gravemente e empresa acabou por fechar”. Graças à vasta experiência profissional que detinha e ao reconhecimento que conquistara, Henrique nunca chegou a estar verdadeiramente desempregado. Logo em seguida conseguiu um outro emprego, como eletricista, “numa outra empresa de construção civil que se chamava Le Fore”. “Nessa empresa conduzia uma carrinha-oficina e ia pelas obras, para fazer o trabalho de eletricidade que fazia falta”, relembra. Apesar de “contente com o trabalho em França”, de estar sempre em movimento, de obra em obra, e em contacto com diferentes pessoas, Henrique não esquecia Portugal. As férias que passava anualmente no seu país não eram suficientes, só lhe aumentavam as saudades pulsantes no peito e estimulavam o sonho e a certeza do regresso. A família, a galena e a ANACOM Num célebre e mais feliz dia de Páscoa, seguia-se em Vila de Punhe a tradição de acompanhar o compasso pascal, na visita às casas dos amigos e familiares. Foi precisamente nesse contexto, mais concretamente em casa de uma tia, que Henrique reparou em Emília. “Ela foi lá beijar a cruz, eu vi-a e engraçamos os dois”, revive. Ao amor à primeira vista seguiram-se dez anos de namoro. Henrique “não tinha pressa” em casar, pois procurava assegurar que a situação financeira do futuro casal lhes permitia enfrentar o porvir sem sobressaltos. O dia da boda chegou e casaram na igreja paroquial de Vila de Punhe. “Quem nos casou foi o Padre David da Silva Monteiro, que era de Guimarães… vim de propósito de França para casar porque nessa altura já lá estava” recorda. Após o enlace, Henrique voltou a França e Emília ficou em Portugal. Pouco tempo mais tarde, o casamento frutificou, nasceu uma filha, e as saudades mútuas, que já eram grandes, exacerbaram-se. Henrique ponderou o regresso a Portugal com o objetivo de reunir a família. Decidido, falou com “o patrão dessa época”, que era “muito boa pessoa”, e este, para não perder o valioso colaborador, conseguiu-lhes “uma casita, em França”, onde a família passou a residir. Aos cinquenta e dois anos, depois de tantos anos de trabalho em França, Henrique vendeu a casa que lá tinha e voltou, com a família, para Portugal. Tinha saudades da terra, das gentes, e queria estar mais perto dos seus. Com as poupanças que tinham amealhado, Henrique comprou um táxi, “com praça nas Neves”. Conduziu-o durante dez anos, mas confessa que não gostava muito dessa profissão. “A qualquer hora chamam pela gente”, lamenta Henrique. Aos sessenta e dois anos, Henrique decide reformar-se do trabalho e é precisamente nesse momento que se intensificam antigas paixões: a eletrónica e a rádio. “Na juventude já fazia uns rádios que se chamavam galena[1]”. Em tempos, em França, chegou a construir “um rádio dentro de uma casca de uma noz, que funcionava na perfeição”. “As galenas levavam com uma agulhinha de minério, com mais dois ou três componentes e uns auscultadores já se apanhavam ondas de rádio”, explica Henrique. Com mais tempo livre, Henrique desenvolveu “o gosto pelo rádio amadorismo” e adquiriu “um transmissor móvel CB… que era um rádio que podia ser operado sem exame”. Mais tarde, candidatou-se, junto da ANACOM, e conseguiu obter as “licença C e B, que davam acesso a quase todas as bandas de frequência, isto depois de passar nos difíceis exames de radio amador”. “Fiz vários exames na ANACOM e passei-os todos”, revive Henrique com orgulho. “Fazia rádio todos os dias à tarde e falava com pessoas de todo o mundo”, acrescenta. Foi assim que conheceu a “Dona Ana, uma portuguesa de Vila Real, radicada em São Paulo, no Brasil, muito famosa no mundo do radioamadorismo”. As ondas rádio trouxeram-lhe convivência e muitos amigos “que também faziam rádio, de perto e de longe”. Tenho amigos em Ponte de Lima, em Anais e noutros sítios por esse mundo fora” afirma. Chegou a ter em sua casa “uma torre de 13 metros” que ergueu sozinho. Henrique “gostaria muito de ainda fazer rádio”, mas, com o avançar da idade, “a saúde deixou de ser a mesma” e vendeu boa parte do equipamento que colecionara ao longo dos tempos. Os valores e a curiosidade junto da alma gémea Henrique, que já é avô de três netos, aguarda com grande expectativa a chegada do seu primeiro bisneto. “O nascimento do primeiro bisneto é um sonho”, diz com o olhar reluzente. Se um dia estes lhe pedissem um conselho de vida, tal com faria a qualquer outro jovem que lho solicitasse, dir-lhes-ia que “o respeito é o maior valor de todos”. “Aprendi do meu pai que se se quer ser respeitado, tem de se respeitar os outros, independentemente da sua origem, religião, opinião ou condição de vida. Uma pessoa também deve ser honesta, generosa, humilde e procurar não fazer mal a ninguém”, acrescenta. “Ainda lhes dizia para olharem pela saúde, para gozarem a vida, porque a vida passa muito depressa e para serem sempre curiosos, sempre curiosos”, conclui. No Lar Casa de Magalhães, junto da sua esposa Emília, Henrique mantém vivos os valores, as crenças e os princípios que o caracterizam. Além das sábias lições, o trajeto de Henrique é um exemplo luminoso e inestimável. Mostra-nos que, tal como a galena é um componente essencial na construção de um rádio, também a curiosidade desempenha um papel essencial na concretização de uma vida plena. [1] Galena é um mineral composto essencialmente por sulfeto de chumbo e tem várias aplicações. Historicamente, este mineral foi amplamente utilizado na produção de rádios, devido às suas excelentes propriedades semicondutoras.
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